segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

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A vida é nada - é esta cor, esta tinta, esta desgraça. É saudade e ternura. É tudo. É os meus mortos e os meus vivos. Levo pena de tudo, até da fealdade. Agarro-me a tudo, tudo me prende, o sonho que não existe, as horas inúteis, o possível e o impossível. A floresta não faz parte do meu ser, e eu tenho aquia a floresta, o som e o aroma da floresta, a vida da floresta: o céu naõ faz parte do meu ser, e eu sou o céu profundo, o céu trágico e o céu esplêndido. Dá-me a viad - dou-te tudo em troca... Agarro-me como um náufrago, agarro-me com uma saudade, que vem não só de mim, mas muito mais longe, da base mesmo da vida. Para sempre! Para todo o sempre! E, com um suspiro mais fundo, repete: -Suprimi a morte, vou ressuscitá-los!
A noite vem, a noite avança. Sinto os mortos. Ainda vivo, já estou em seu poder: faço parte da legião. Noite imensa sem gritos. Pior que sofrer é não sofrer - para sempre. É nunca mais sentir. E ter as órbitas vazias voltadas para o céu e nelas não se reflectir a luz das estrelas. Mais um passo e é o silêncio absoluto. Mais um passo e tapas-me para sempre a boca.

Não importa ser feliz - não me importa ser desgraçado. O que me importa é o que há depois, é o que está por baixo da terra e o que está por cima da terra.

Raúl Brandão, Húmus

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